terça-feira, 12 de outubro de 2010

Inútil e belo


Adoro ir à feira. Todo feriado que cai em dia de feira é batata. Vou até lá me deliciar com as cores, os cheiros e a simpatia dos feirantes. Converso com cada um, compro minhas fruta,s legumes, bala de coco, fava, verduras e ovos e volto sorridente para casa. Hoje cheguei em casa com uma novidade linda nas mãos: um ramo de gérberas cor de rosa. Minha filha, pragmática, logo me perguntou: pra que comprar isso? gastar dinheiro com flor! Eu expliquei que gosto de olhar para elas - as gérberas - tão imponentes e delicadas, e que elas deixam a casa mais bonita. Minha filha fez uma careta e esboçou um "ahn", como quem diz: que coisa inútil!

Não pude deixar de lembrar do prefácio d'O Retrato de Dorian Gray, onde o genial Oscar Wilde fala que toda arte é inútil. E justamente nisso reside sua magia. Minhas flores são inúteis, mas gosto de admirá-las - e aí está sua utilidade - dando um ar de casa cuidada, tipo casa de novela.
Quando era criança minha mãe sempre comprava um enorme arranjo de flores do campo que reinava absoluto no centro da sala. talvez meu desejo de gérberas seja um resgate daquela época, com a minha cara: menor, mais sutil, porém elegante e delicado. Ou talvez seja o Oscar wilde que há em mim, permitindo-se admirar coisas belas, inúteis e maravilhosas. Só sei que as flores estão aqui, resultado de mais uma manhã alegre na feira...


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Prefácio de "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde
O artista é o criador de coisas belas.
Revelar a arte e ocultar o artista é o objetivo da arte.
O crítico é aquele que sabe traduzir de outra maneira ou com material diferente a sua impressão das coisas belas.
A mais alta, assim como a mais baixa, forma de crítica é uma autobiografia.
Aqueles que encontram feias significações nas coisas belas são corruptos sem serem encantadores. É um defeito.
Aqueles que encontram belas significações nas coisas belas são cultos. Para esses há esperança.
São os eleitos aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza.
Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais.
A antipatia do século XIX pelo Realismo é a raiva de Calibã ao ver seu rosto no espelho.
A antipatia do século XIX pelo Romantismo é a raiva de Calibã por não ver seu rosto no espelho.
A vida moral do homem faz parte do assunto do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito dum meio imperfeito. O artista nada deseja provar. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo.
O artista nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo.
O pensamento e a linguagem são para o artista instrumento de arte.
O vício e a virtude são para o artista materiais de arte.
Sob o ponto de vista da forma, o modelo de todas as artes é a arte do músico.
Sob o ponto de vista do sentimento, o modelo é a profissão do actor.
Toda a arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo. Os que buscam sob a superfície fazem-no por seu próprio risco.
Os que procuram decifrar o símbolo correm também seu próprio risco.
É o espectador, e não a vida, que a arte realmente reflete.
A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte mostra que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Pode-se perdoar a um homem o fazer uma coisa útil, contanto que não a admire. A única desculpa de haver feito uma coisa inútil é admirá-la intensamente.
Toda a arte é absolutamente inútil.